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terça-feira, 31 de maio de 2011

Abdias do Nascimento. Um dos maiores líderes do movimento negro no Brasil

Na última segunda-feira (24/05), o francano Abdias do Nascimento, veio a falecer no Hospital dos Servidores, no Centro do Rio. Ele sofria de diabetes e já estava no hospital há mais de dois meses.

Abaixo segue um excelente artigo que nos ajuda a conhecer um pouco da história desse brilhante militante do movimento negro.



“Eu tive uma infância doce, mas a vida transformou essa doçura em muita crueza, muita luta que não tem nada de doce não”

Abdias do Nascimento


Abdias do Nascimento é um símbolo da luta. Da luta contra a opressão, contra o preconceito, contra a submissão cultural, econômica e social do negro no Brasil.

Nascido em 1914, em Franca, interior de São Paulo, iniciou sua militância ainda bem jovem, em 1929, quando sai de sua cidade e vai para a capital a fim de alistar-se.

Em São Paulo, Abdias passa a sofrer de modo ainda mais intenso o racismo praticado por uma sociedade recém saída de um regime escravocrata, caracterizada pela crença na superioridade do trabalho do imigrante (graças a força das teorias racialistas naquele contexto), que de maneira não tão implícita excluía o negro política, social e psicologicamente.

Assim, nos anos 1930, contexto no qual as necessidades da população negra eram negligenciadas tanto por democratas quanto por republicanos, e dada à dificuldade de participação em movimentos operários graças ao domínio do movimento por imigrantes, surge uma organização com uma capacidade considerável de arregimentação, liderada e composta somente por negros, a Frente Negra Brasileira (FNB).

Intentando uma efetiva participação política, a FNB transforma-se em partido. Apesar do dispêndio de esforço por parte dos seus integrantes, dentre eles Abdias do Nascimento (em sua maioria jovem, de classe média) a FNB não elegeu um só de seus candidatos. Tal fato pode ser tributado a restrição do direito ao voto aos alfabetizados (o que excluía grande parte da população negra), bem como a situação de controle a que estavam sujeitos ainda o voto da população da zona rural (majoritariamente negra).

Outro fator que explica o enfraquecimento político de tal partido fora seu relacionamento próximo com o Integralismo. Essa orientação refletia as ansiedades das classes médias e média baixa de São Paulo, bem como seu medo das poderosas pressões vindas de cima e de baixo. Elas haviam sentido profundamente sua exclusão política por parte da Republica dominada por fazendeiros e temiam também a feroz competição por empregos, educação e mobilidade ascendente que enfrentavam da parte dos imigrantes europeus e de seus filhos. Assim, muitos reagiam abraçando o nacionalismo e a xenofobia estridentes do integralismo e rejeitando a democracia liberal, desacreditada pela corrupção e pelas fraudes da República.

Essa aproximação a tal corrente acabou por enfraquecer o partido, que teve seu fim em 1937 (juntamente com os demais partidos da época) graças ao golpe empreendido por Getúlio Vargas.

Apesar do insucesso de tal movimento, a atuação de Abdias na militância não finalizou-se nesse período, pelo contrário, após a experiência na FNB, fica claro para Abdias que a inserção da temática racial se fazia necessária no contexto brasileiro e que enfrentaria barreiras das mais diversas ordens tanto pela dificuldade de arregimentação da massa, quanto pela dificuldade de convencer os diversos setores sociais da relevância da discussão da situação econômica, cultural e social do negro.

Assim, prossegue sua militância ao longo da década de 1940. Gradua-se em economia no Rio de Janeiro, e nesta cidade conhece seis amigos, poetas. Forma-se então o grupo Santa Hermandad Orquidea que sai pelo Brasil e pela América do Sul escrevendo poesias.

Ao chegar no Peru, Abdias depara-se, numa peça de teatro, com um personagem que deveria ser negro, interpretado por um ator branco, pintado de preto. Essa realidade, já percebida também no Brasil, país cuja presença negra dispensava tais artifícios, o fez idealizar um projeto, a fundação de uma companhia de teatro composta somente por atores e atrizes negros, o Teatro Experimental do Negro (TEN).

Abdias chegou a retratar a dificuldade de aceitação de sua idéia no nosso país. Muitos diziam que ele tinha “perdido o juízo”, “que estava levantando um problema até então inexistente no Brasil”.

No entanto, apesar das dificuldades o TEN inicia suas atividades no início da década de 1940, e através das peças, Abdias buscava tratar a temática do preconceito e das relações raciais no Brasil, de uma maneira geral.

Na década de 1950 passa a dirigir também o jornal “Quilombo” no qual buscou veicular notícias dos diversos movimentos negros no Brasil, e nesse período, com intuito de articular esses diversos grupos promove o I Congresso do Negro Brasileiro.

A atuação no Brasil através do TEN finda-se ao final da década de 1960 graças a perseguição política, e assim, Abdias permanecerá exilado até 1978. Passará grande parte desse período nos Estados Unidos, local onde lecionará na área de cultura de arte. Além de atuar como conferencista e professor visitante em diferentes universidades neste país, Abdias fundou a cadeira de Culturas Africanas no Novo Mundo, no Centro de Estudos Portorriquenhos da Universidade do Estado de Nova York em Buffalo. Tal experiência proporciona a Abdias a oportunidade de atuar como conferencista também em diversos países da América do Sul e África.

A aproximação com militantes negros americanos, com líderes africanos enriquecerá sobremaneira a atuação de Abdias, que diferentemente da maioria dos intelectuais que voltaram do exílio, não encontra oportunidades na academia brasileira (não por sua falta de preparo, dado que Abdias atuou intensamente fora do Brasil, mas por motivos bastante claros, como sua insistência em tratar do problema do negro brasileiro, por seu interesse em tratar a África, sua cultura, sua arte, sua política de modo intenso, dentre tantos outros anseios visto com tanta desconfiança pelos nossos intelectuais).

Assim, Abdias investirá na carreira política. Sua voz, que se levantava desde a década de 1950 por políticas reparatórias levanta-se ainda com mais vigor quando torna-se deputado (1983-1987). Abdias nesse período prossegue sua luta em se fazer ouvir pela direita (relutante e conservadora no que tange às questões sociais) e pela esquerda (também relutante e conservadora no que tange ao reconhecimento a especificidade da luta do negro, tentando sempre abarcá-la no conjunto dos problemas sociais, relacionados ao pertencimento de classe).

Como senador, entre 1997 e 1999, Abdias logrou êxito nesse sentido já que graças ao seu e de tantos outros militantes das novas gerações, a temática racial começa a ser reconhecida como objeto de política pública, principalmente na última década.

Analisando a rica trajetória de vida de Abdias Nascimento ao longo de seus 97 anos, podemos afirmar que ele pode ser tido mais do que como símbolo de uma luta, mas principalmente como símbolo da resistência.

Militar por uma questão que é encarada como um problema não prioritário (quando é de fato encarado como um problema), durante toda a vida, seja como poeta, pintor, artista plástico, ator, acadêmico ou político, ou seja, onde quer se esteja atuando é militar, de fato, na sua forma mais plena e verdadeira.

A vida pode não ter sido tão doce para Abdias, mas com certeza não será permeada de tanta “crueza” ou não será tão amarga para as gerações de brancos e não-brancos que ainda virão, graças a sua persistência, seu exemplo, sua luta ao longo do último século.


Natália Neris da Silva Santos

Pesquisadora Júnior do Núcleo de Direito e Democracia do CEBRAP

Para saber mais sobre a vida e obra de Abdias do Nascimento:

ALMADA, Sandra. “Abdias do Nascimento: Retratos do Brasil Negro”, Ed. Selo negro, 2009

ANDREWS, George. “O protesto político negro em São Paulo – 1888- 1988”, Estudos Afro-Asiáticos, n. 21, 1991.

Programa Espelho – Abdias do Nascimento – Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=0KzPSsgr9tI

Portal: http://www.abdias.com.br




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