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segunda-feira, 16 de maio de 2011

A estranha lógica dos calçadistas

Aterrador o que se esconde por trás do argumento das empresas calçadistas brasileiras. Segundo a matéria “Com dólar baixo no Brasil, fabricantes de calçados vão para o exterior e cortam produção nacional”, em O Globo deste sábado, elas estão investindo no exterior para baratear seus custos. Buscam, assim, fazer frente à concorrência de países como a China, onde, admitem, a remuneração pode a ser até doze vez menor do que a paga no Brasil.

Segundo a reportagem, Índia, Nicarágua e República Dominicana estão atraindo grupos brasileiros, ao acenarem com o baixo custo da sua mão de obra e com a isenção de alguns impostos. Vulcabras- Azaléia, Schmidt Irmãos Calçados e Paquetá Calçados são exemplos de empresas que iniciaram sua produção, ou parte dela, no exterior com estas perspectivas.

Faturamento em alta

O assunto é complexo. O setor de calçados produziu no Brasil a respeitável marca de 894 milhões de pares de sapatos no ano passado, ou 9,9% a mais que em relação a 2009, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). E faturou 14,9% mais que em 2009, o que totalizou R$ 21,7 bi.

Ou seja, estamos falando de uma cadeia produtiva de fôlego invejável. Suas conquistas foram obtidas apesar da queda de 34% nas exportações, que enfrentaram um câmbio desfavorável e a concorrência chinesa e vietnamita.

O desempenho deste setor também superou a concorrência da China – que se mascara, parte, por meio da prática de triangulações comerciais internacionais. Hoje é conhecida a atuação de países como Malásia, Vietnã, Hong Kong, Indonésia, Paraguai e Taiwan, que compram calçados na China para reexportá-los ao Brasil.

Exploração de dominicanos

No entanto, ao buscarem mão de obra mais barata, os empresários do setor insinuam que pagamos muito para nossos trabalhadores. E que, portanto, a exploração da mão de obra barata dos dominicanos, nicaragüenses, indianos estaria justificada. Esses empresários têm a doce ilusão de que os salários não aumentarão naqueles países. Imaginam, ainda, que terão carta de corso – de pirataria mesmo – para usar e abusar de trabalhadores reduzidos à semi-escravidão.

Esquecem esses “visionários do capital” que o nosso mercado interno tende a crescer. Mais ainda que o da América do Sul. Não percebem que as barreiras que defendem hoje contra a concorrência desleal de seus concorrentes internacionais podem, amanhã, ser impostas a eles próprios. Afinal, estarão produzindo no exterior e fazendo o mesmo que condenam nas práticas de chineses, vietnamitas e nicaragüenses.

Nada mais óbvio no mundo do capital, onde é típica a busca por matéria prima e salários mais baratos, de preferência sem impostos. Só temos a lamentar.


José Dirceu de Oliveira e Silva
Publicado em 14/05/2011 no Jornal Correio do Brasil

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